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Produção de Matrizes AGP Free, Alternativas e Desafios

Publicado October 01, 2020
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Os antibióticos promotores de crescimento (APC ou AGP) são definidos pela Organização Mundial de Saúde como agentes antibióticos utilizados com o propósito de aumentar o ganho de peso diário ou a eficiência alimentar em animais produtores de alimentos. Agente antibiótico é definido pelo mesmo órgão como toda substância de origem natural, sintética ou semissintética, que em baixas concentrações destrói ou inibe o crescimento de microrganismos, causando pequeno ou nenhum dano ao organismo hospedeiro.

Para produzir mais e de forma competitiva, há mais de 50 anos os antibióticos promotores de crescimento vêm sendo utilizados na nutrição animal para aumentar a eficiência produtiva. Porém, a sua utilização na alimentação animal tem sido tema de debates e discussões mundiais em razão da possibilidade da presença de resíduos de antimicrobianos e de seus metabólitos em produtos de origem animal, da possível seleção de bactérias resistentes e do aparecimento crescente de resistência aos antibióticos em bactérias patogênicas.

Cada vez mais países vêm aderindo às restrições e banimentos a esta prática, à exemplo da União Europeia que, em 2006, baniu o uso dos antibióticos na alimentação animal. Por estas razões, a indústria avícola tem buscado alternativas ao uso dos antimicrobianos, objetivando manter a mesma eficiência produtiva proporcionada pelos promotores antimicrobianos tradicionais, reduzindo o perigo de induzir a resistência microbiana.

Em maio de 2015 a Organização Mundial da Saúde (OMS), com a participação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), aprovou o Plano de Ação Global sobre Resistência Antimicrobiana (Global Action Plan on Antimicrobial Resistance), que resultou na demanda de elaboração do Plano Nacional de Ações sobre Resistência aos Antimicrobianos para cada país signatário.

Em outubro de 2015 a U.S. Food and Drug Administration (FDA) lançou sua “final rule” da Veterinary Feed Directive (VFD) com o intuito de proibir o uso de medicamentos na alimentação animal sem a supervisão de um médico veterinário. Além disso, também em 2015 o Presidente Barack Obama lançou o Plano Nacional para combater bactérias resistentes a antibióticos o qual, em uma de suas resoluções, também exige que os produtores de animais para consumo humano necessitem de receitas de médicos veterinários para o uso de antibióticos importantes para a medicina humana. O plano prevê o fim do uso de medicamentos importantes para uso humano como promotores de crescimento até 2020.

Baseado nas recomendações dos organismos internacionais de referência, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por meio do DFIP/SDA, restringiu a autorização de diversos antimicrobianos com finalidade de aditivo melhorador de desempenho, considerando a avaliação de risco à saúde humana. Desta forma, já foram proibidos no Brasil, desde 1998, as substâncias antimicrobianas avoparcina, anfenicóis, tetraciclinas, penicilinas, cefalosporinas, quinolonas, sulfonamidas, eritromicina, espiramicina e, mais recentemente, a colistina.

Em outubro de 2017, o MAPA instituiu o Programa Nacional de Prevenção e Controle de Resistência a Antimicrobianos na Agropecuária (AgroPrevine). O AgroPrevine visa o fortalecimento das ações para prevenção e controle da resistência aos antimicrobianos na agropecuária, considerando o conceito de Saúde Única, que estabelece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental, por meio de atividades de educação, vigilância e defesa agropecuária. Dentro das ações previstas por este plano estão: educação sanitária; estudos epidemiológicos; vigilância e monitoramento do uso e resistência aos antimicrobianos; fortalecimento da implementação de medidas de prevenção e controle de infecções e promoção do uso racional de antimicrobianos.

Neste cenário, faz-se necessária a adoção de novas estratégias holísticas dentro da produção animal e de novos programas que envolvam diferentes estratégias de biosseguridade, manejo, nutrição, gestão e treinamentos dos profissionais envolvidos. Destaca-se ainda a utilização de tecnologias de substituição aos antibióticos promotores de crescimento, com foco no uso de combinações de soluções disponíveis, tais como os probióticos, prebióticos, ácidos orgânicos e óleos essenciais, que modificam de uma maneira menos agressiva o microbioma intestinal promovendo um melhor equilíbrio deste com melhoria na saúde das aves.

Diversas são as soluções para os desafios que a produção de matrizes pesadas apresenta. Entre elas as mais utilizadas atualmente são:

 

Ácidos orgânicos

A designação ácidos orgânicos refere-se a ácidos graxos voláteis de cadeia curta (AGCC), chamados de “fracos”, que permanecem relativamente estáveis no trato gastrointestinal dos animais. Estes ácidos são potentes inibidores do transporte de aminoácidos por parte das células fúngicas, através da ionização interna no citoplasma e acidificação do conteúdo celular de microrganismos. Os mesmos têm tido uma grande contribuição na rentabilidade da produção animal, afetando de forma positiva a microbiota intestinal, a mucosa, o sistema imune, a digestão proteica, a secreção pancreática, a utilização de minerais e, por isso, a performance das aves.

Existe uma diversidade de ácidos orgânicos disponíveis no mercado, com diferentes propriedades físicas e químicas, para uso via água ou ração, disponíveis individualmente ou em combinações. A indústria moderna tem dado foco ao uso de ácidos orgânicos protegidos (encapsulados) em função dos mesmos apresentarem liberação mais lenta, chegarem ativos às partes mais distantes do trato gastrointestinal, serem de mais fácil manipulação e sem odores.

Um dos modos de ação dos AGCC nos microrganismos é que os mesmos, em sua forma não dissociada (não ionizada, mais lipofílica), conseguem penetrar a parede celular destes microrganismos e alterar sua fisiologia. Nas bactérias, eles reduzem o pH interno, e como as bactérias não toleram grandes variações de pH entre o meio externo e interno, as obriga a gastarem energia e, eventualmente, pararem seu crescimento ou serem inativadas tentando recuperar seu pH interno. Outro mecanismo dos AGCC, tóxico para os microrganismos, é que eles interferem na estrutura e transporte elétrico da membrana citoplasmática, reduzindo a produção de ATP. A ação antimicrobiana se dá pela combinação da dissipação da força próton-motiva e inabilidade do microrganismo em manter o pH interno seguida pela desnaturação das proteínas sensíveis aos ácidos e do DNA.

Já o ácido butírico é reconhecido como a mais importante fonte respiratória e de energia para a proliferação das células do epitélio intestinal, e está diretamente e indiretamente envolvido em vários mecanismos regulatórios da diferenciação, crescimento, permeabilidade e expressão gênica celular. Em estudos sobre proliferação, dano celular e morte programada, foi revelado que o butirato aumenta a velocidade de maturação (no desenvolvimento) e reparo após dano, sendo um dos mecanismos o aumento do índice mitótico no intestino delgado. Além disso, ele aumenta a atividade secretória das células caliciformes secretoras de fator de crescimento epitelial no intestino grosso e estimula a liberação de peptídeos gastrointestinais. Também é relatada na literatura a redução da presença de Salmonella no intestino de frangos de corte com a suplementação de ácido butírico protegido, pela redução da expressão do gene Salmonella pathogenicity island (SPI) -1, que está envolvido na invasão do epitélio intestinal pela Salmonella.

 

Óleos essenciais

Os óleos essenciais, também chamados óleos voláteis ou óleos etéreos, são uma mistura complexa de metabólitos secundários das plantas, como os terpenóides, fenilpropenos de baixa ebulição, alcoóis, aldeídos, ésteres cíclicos, etc. Vários dos

 

componentes possuem um amplo espectro de propriedades antimicrobianas, encontrando- se inibição de crescimento de leveduras, fungos e bactérias. Eles possuem atividades biológicas como antioxidantes, hipocolesterolêmicos, estimulam o sistema digestivo, aumentam a produção de enzimas digestivas e melhoram as funções do fígado. Também estimulam a circulação sanguínea, reduzem os níveis de bactérias patogênicas e melhoram o estado imunitário das aves.

Os modos de ação destes óleos, para melhorar o desempenho das aves e participar dos programas de alternativa aos promotores de crescimento, são:

· Efeito antimicrobiano: diferentes óleos essenciais têm demonstrado efeito contra bactérias, coccídios e fungos. Apresentam caráter lipofílico e capacidade de penetrar ou desintegrar a membrana celular de bactérias.

· Estimulação de enzimas digestivas: são capazes de estimular a produção de enzimas digestivas como lipase, amilase ou carboidrases, o que beneficia a utilização dos nutrientes. Segundo a literatura, o mecanismo de ação que leva a esta estimulação ainda não está esclarecido.

· Alterações na morfologia gastrointestinal: mudanças nas características morfológicas, como altura das vilosidades, profundidade das criptas ou número de células caliciformes, foram obtidos em diversos estudos com aves alimentadas com aditivos fitogênicos.

· Digestibilidade: têm impacto positivo na digestibilidade devido ao melhor controle do microbioma, por estimular a ação enzimática e provocar modificações na morfologia gastrointestinal. Este impacto é variável, dependendo da composição e dosagem dos aditivos fitogênicos utilizados.

 

Probióticos

Probióticos são definidos como suplementos alimentares a base de microrganismos vivos, que afetam de forma benéfica a saúde animal, melhorando o balanço da microbiota. Dentre os mecanismos de ação dos probióticos, que os colocam dentro do conjunto de produtos alternativos aos promotores de crescimento, e que melhoram a saúde e produtividade das aves, estão a exclusão competitiva, a manutenção da integridade da barreira epitelial intestinal, melhoria na absorção de nutrientes e da resposta imune intestinal. Porém, cada probiótico, dependendo da sua geração, possui mecanismos de ação específicos. Os probióticos de primeira geração agem simplesmente por exclusão competitiva e os de segunda geração adicionam à exclusão competitiva a produção de substâncias antibacterianas com ações específicas em determinados patógenos.

Os probióticos normalmente utilizados na produção avícola são os Bacillus subtilis, Bifidobacterium spp. e Lactobacillus spp. As características de um probiótico ideal contemplam a sua origem, que deveria ser da própria espécie em que será utilizado, que não seja patogênico, seja resistente às condições de pH do trato gastrointestinal, produza componentes antimicrobianos, promova o crescimento de bactérias comensais, module de forma positiva a resposta imune, melhore a performance animal e seja compatível com o processo de produção de rações.

 

Prebióticos

Prebióticos são definidos como componentes indigestíveis da dieta que influenciam a microbiota animal através de uma estimulação seletiva do crescimento e/ou ação metabólica de bactérias benéficas que já estão presentes no trato gastrointestinal animal, e que fazem a supressão de bactérias patogênicas.

Os prebióticos podem ser utilizados em combinação com probióticos e/ou ácidos orgânicos, para obtenção de um resultado ótimo. Os Lactobacillus e Bifidobacteria spp. fermentam os prebióticos transformando-os em ácidos graxos de cadeia curta, que aumentam em concentração e por isso, reduzem o pH entérico, inibindo a proliferação de bactérias patogênicas.

As características de um prebiótico ideal seriam: não ser hidrolisado ou absorvido, atuar seletivamente no aumento de uma ou mais bactérias comensais ou alterar de forma benéfica a atividade da microbiota intestinal. Os prebióticos comumente utilizados na avicultura são os oligossacarídeos, incluindo a inulina, frutoligossacarídeos (FOS), mananoligossacarídeos (MOS) e galatoligossacarídeos (GOS), entre outros.

Em face aos diferentes desafios que a produção de matrizes apresenta (Tabela 1), além das alternativas com efeito antimicrobiano direto e com efeito na melhoria da qualidade e morfometria intestinal, dentro de um programa AGP free deve-se considerar o uso das demais ferramentas que mantém a saúde e desempenho dos lotes, como os imunomoduladores, biossurfactantes, antioxidantes e adsorventes de micotoxinas. O ideal é que as alternativas sejam posicionadas em conjunto, para que atuem de forma sinérgica, perfazendo diferentes modos de ação e objetivo alvo, maximizando os resultados do programa de substituição dos promotores de crescimento.

 

Tabela 1 – Principais desafios, causas e objetivos de controle nas diferentes fases da produção de matrizes de corte

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A produção AGP free já é uma realidade internacionalmente e o Brasil, como maior exportador mundial de carne de frango, vem adaptando-se às exigências dos mercados importadores. A exigência no mercado interno também tende a crescer, visto que as legislações vêm demonstrando a preocupação e engajamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no conceito de Saúde Única e com os planos de ação sobre

resistência aos antimicrobianos, prevendo ações de educação sanitária e de promoção do uso racional de antimicrobianos. A transição suave para um programa AGP free, com a adaptação das diferentes estratégias e soluções alternativas aos diferentes desafios, é o que garantirá a manutenção do alto desempenho produtivo e retorno do investimento.

 

Bibliografia consultada

ALBUQUERQUE, R. de. Antimicrobianos como promotores de crescimento. In: PALERMO NETO, J.; SPINOSA, H.; GÓRNIAK, S.L. (Org.) Farmacologia aplicada à avicultura. São Paulo: Roca, 2005. p. 149 – 159.

 

APPLEGATE T.J. et al. Probiotics and phytogenics for poultry: Myth or reality? Journal of Applied Poultry Research 19 :194–210, 2010

 

ARISTIMUNHA, P. C. Efeito de diferentes programas de suplementação de um produto à base de ácidos orgânicos e substância húmica na performance, resposta imune e morfometria intestinal de frangos de corte. 2017. 93f. Tese (Doutorado em Zootecnia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.

 

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária E Abastecimento. Disponível em:

http://www.agricultura.gov.br. Acesso em: agosto de 2018.

Escrito por Dra. Patricia Aristimunha